De ‘OLHAR O AR’, por Felipe García Quintero

Tradução de Thomaz Albornoz Neves

Eu o vi. Foi assim:

Um rio de ouro puro, amplo e profundo, brilhava nos meus
olhos fechados.

Em seu nodoso pulsar, vale adentro, uma selva solitária era a montanha líquida do sol.

E de pequenas escamas, três pássaros singravam esse céu em seu
dorso branco.

Com amor de pedra

O pássaro olha o céu preso na água.
Gota a gota o estilhaça.

E a sorvos o reflexo das alturas.

Ao voltar de relance ao ar
-aquela volta ao ar do olhar-
cheios de sede seus olhos tremem.

Minha casa, como o deserto, não tem teto nem porta, somente boca.

Minha casa, como a pedra, não possui vigas nem fundações, só a mão empunhada a ampara.

Esta casa a construí retirando tijolos e entregando meus ossos ao vazio que resta.

A casa é escura como a minha voz nos seus corredores.

Vivo na casa que caminho. A que acosso e me persegue como o verme na carne doentia.

A cada grito se levanta; com cada silêncio a destruo.

Pouco a pouco, o silêncio foi enchendo minha alma de ruídos, com pisadas medrosas como de fera perseguida pelo tremor do coração que afia sua faca.

É a cega voz que mantém meus olhos abertos.

E penso -comigo- no outro céu que me espera fora da casa: meu céu, o que inventa a chuva em uma esquina da rua.

Um céu de águas podres. De afogada lua turva, salva do lodo pela mão do sonho.

Céu meu de águas podres, só na tua carne brilham meus dentes caídos.

Céu repentino de urina de inverno, vem encher com teu corpo minhas mãos vazias de cego sem tato. Céu meu de pássaro sem céu. Céu de água de ventre.

Céu meu, profundo como a pedra.

Sobre a relva

A voz alcança o lugar do mundo onde o vento derrama seu
silêncio sobre o caminho.

O céu se despede como um rio para ficar nas mãos que
o procuram, tateando, pelo ar.

Alisam minhas preces tal distância?

A fúria do trovão pulsa. Animal de raiva, pedra alada.

I
a vaca morde o pasto
e suas ventas estremecem a luz do pó lunar.

Trêmula é a música entre suas patas,
profundo o respirar do vento.

A cauda que afasta as moscas
flutua, rema.

II

A vaca muge para ser vista por seus grandes olhos abertos.

A lentidão, e não o pastiçal, é o que pondera na sombra paciente.

Apalpo a terra que a une ao céu.

Montanha toda de ar o pensamento onde o silêncio despenca.

III

Lá no alto, na montanha,
imóvel, uma vaca pasta sozinha.

Na sua sombra meus olhos procuram refúgio.

A vaca mística da infância
no planalto, quase nas nuvens.

Um pouco desse fulgor toca minhas mãos.
Desde então, em cada pedra, o novo horizonte.

Felipe García Quintero nasceu em Bolívar, Cauca, em 1973. É um poeta e editor colombiano. Obteve os prêmios de poesia Encina de la Cañada (Espanha), o íbero-americano Neruda 2000 (Chile) e Eduardo Cote Lamus (Colômbia). Por Siega (Plural editores, 2017) recebeu o Prêmio Nacional de Poesia, promovido pela Universidade de Santander, Colômbia. É doutor em Antropologia e docente titular do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Cauca, Colômbia. Como escritor convidado e bolsista residiu temporadas em Quito, Madri e Cidade de México. Sua poesia foi vertida ao francês por Marcel Hennart e Ana María Zuñiga, ao italiano por Emilio Coco e Alessio Brandolini, ao inglês por Alex Salinas e ao árabe por Abdul Zagbour, entre outros.

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