Traduzido por Verônica Loss
Poema aos vermelhos
todos e todas sabem que sou colorado / do inter de poa e / do vermelho da cuaró / quis ser comunista / (seduzido pelo sangue vermelho militante juvenil / de mina gostosa / como só a ujc ensinava) / de aço e prata / todos e todas se deram conta / do meu sangue ruim / não me deixaram / os comunistas de pobreriu espiritual / bexiga vernacular

Vai cair (ou O legado da peste) / cronopoema
Primeira pestilência
E quando caia, subiremos nas suas ruínas, por ex., por ali na Sarandi e sobre suas estátuas e instituições de crédito e débito, das suas firmes opiniões, da sua justiça breve e cega, e eles, de vícios privados com públicas virtudes, a eles, nos aproximaremos como luas vermelhas, com a língua de fora e levantando seus corpos gelatinosos, anunciando a boa nova em alto e bom som: eu avisei! eu avisei! e vocês nada, nada! Continuavam mentindo e matando todo o espírito que se movesse, tão vaidosos, tão donos ou donas de si, tão insensíveis, tão patrões, tao babacas. E agora? Que me dizem? Hein?
Segunda pestilência
E quando caiam até o solo. Será. Subiremos às suas instituições, por exemplo, por aí na Sarandi e, sobre suas estátuas de próceres sem próceras, suas instituições de crédito e débito, seus free shops de capitais andorinha voando pelo ar vento minuano, de suas patriarcais opiniões, de sua justiça breve e cega. Daqueles e daquelas (muito menos delas), eles, os de sempre: vícios privados com caretas de públicas virtudes. Sim. A todos eles (e muito menos, elas) estaremos com a língua de fora e levantando seus corpos destroçados pela falta de carícias e de brincadeira, pobres buscando no negócio algo de humano ócio e, encontrando nas raízes, aquele velho veneno, injetado pelas presas das serpentes de classe média, daqueles negociantes fenícios, que nunca anunciaram nada de bom.
Os veremos sair das catacumbas municipais e outras arquiteturas, de cabeça baixa, e nós anunciando a bem-aventurança em alto e bom som: eu avisei! eu avisei! e vocês, ná!
E eles seguiam mentindo e matando espíritos, tão soberbos, tão insensíveis, tao fanfarrões, tão babacas. Onde se lamentarão? Acaso no cemitério? Quem sabe, no Rincón de los Poetas? Ali no banco, debaixo do busto manchado de excremento de dom Olyntho? Ou fazendo tempo no carrossel do centro (saturday night fever), à espera de uma opaca “Rivera Brilha”? E agora que a peste nos calou e nas ruas reina a pestilência e o ardor, os vermes nas órbitas ocas dos olhos e a podridão nos cadáveres ilustres. O quê? Então, quê? Que me dizem, hein?!

Olynthomarianas ou Olynthianas
as olynthianas parecem sonho de estio
das tarde quente e suorenta escorrendo
as meleca do sovaco
oração cantos cantigas preces benzeduras puteadas
(o portunhol é a línguadusafeto)
a vida olynthiana por cada beco
turbulenta escuro enrugado
poeta calçadas te celebram as bicas as piça us quilombo
as praça lua as puta du parque e a calle Brasil
vou por onde vou me arrumo sou pouco sou
tenho muito u que fazê volver às infância das pandorga
i das amargosa e du doce de goiabada
i tua sombra quando se me pegoteia como um encosto
entre us carpim e as manga da camisa preta rasgada
a beleza dos teu poema da rua Brasil
como isperança de pobre como minha triste isperança
saber disso ajunta u mundo mistura
farinha de mandioca com tocinho
dá sentido ao arvoredo de plátanos que jogam
sombra chinesa na nossa memória
uma voz suspensa entre a folhagem e
a volta e revolta da Sarandi
nus sábado com as cabriola dus olhar
que pousam no desejo de saber quem vem
pelo outro lado da calçada
não vou me apurá u mundo cabe num só olhar
us óio reboleiam pra oiá meior
to te querendo como se qué a lua
de olyntho loca de branca
pelas penumbra alumia a mesma lua
naquele quadro de cúneo
deformado fantasmático tudo caindo
pelas borda dus quadro
entre u pé e a mão torcida
e aqueles rancho desencaxado

Do silêncio desaparecido
1
o homem invisível passa por
nós todos os dias
não tem nome
o bichicome mendiga
“a população de rua”
desaparece dos nossos
olhos transeuntes
carece de lugar em
nosso cotidiano a
grande maioria
classe média omite empatia
estende o seu não-olhar aos
negros / pobres / operários / minorias
2
me detenho na sua ausência de
detido-desaparecido
como poder resistir a este
paradoxo
de ter sido e não estar
de não estar por ter sido
“militante da vida”
ausência gritante
presença invisível
3
demasiado silêncio se
filtra através destas
pequenas palavras
tantíssima vida
volta para ser
recordada
4
as botas nunca
deixaram de pisar as
margaridas
não se foram por
inteiro seguem
marchando manchando os
jardins em
quartéis em
palácios na
casa da mãe no
berço do filho na
caminha do cão
5
até que um dia
virá a
aurora amanhecida de todas
as que teriam sido
se erguerão dos mortos
surgirão entre as colinas e
as bicas os
desaparecidos
(na sua boca a margarida na
sua boca a maria-mole
enfeitiçada nascida)
6
Abel Ayala: funcionário no Serviço Policial de Assistência Médica, agente de segunda, estudante de medicina. Sem dados oficiais do seu papel militante, provavelmente vinculado à Associação de Estudantes de Medicina.
Ariel Arcos Latorre, estudante de engenharia. Militante do MLN.
Ary Cabrera, empregado bancário e carpinteiro. Militante político da FAU/POR 33 e logo PVP. Militante sindical em AEBU.
Juan Carlos Insausti, comerciante, militante do PCU.
Juvelino Carneiro, vendedor de livros, dava aulas particulares de matemática na sua casa. Estudante de psicologia. Militância: PCR.
Natálio Dergan, mecânico, militante do MLN.
Raúl Barreto, alvanel, sem dados oficiais de militância.
Ubagesner Chaves Sosa, metalúrgico, militante sindical da UNTMRA. Militante político do PCU.
7
neste bramante dia os
escorpiões picarão
as próprias costas
à traição o
ferrão peçonhento
do esquecimento e
enterrados a
sete palmos e
cal ardente
pela memória e
pela história
(como quem
nunca
jamais deveriam
ter nascido)
Michel Croz é nascido em Rivera, fronteira norte do Uruguai com o Brasil, em 1962. Poeta, dramaturgo, cronista, ensaísta. Estudou Ciência Social e Política, Filosofia, mas entregou-se ao Teatro. O teatro é poesia em ação (então ajo como poeta, declara). Escreveu livros, alguns melhores que outros, e nenhum lhe pertence. A poesia, diz também, é um ato de amor e desamor entre o poeta e a linguagem. Professor de teatro no Ensino Médio e em organizações sociais, diretor do “Taller Teatro Independiente–Riveramento”. Colunista no “Portal Desacato Florianópolis”, no canal social “Trama al Sur Montevideo” e no “Diario Norte Rivera”.



Felicitaciones,Michel .Al leer y releer “Política”pude rememorar los años y daños causados en dictadura.
Pero separando ese no menor detalle,pude identificarme a través de tus palabras,con nuestro lugar,con los olores,sabores y sudores de nuestra gente.Gracias,amigo.