‘FOTOSSÍNTESE’, DE SINARA FOSS

Por Antonio Prates

Fotossíntese, o livro mais recente da escritora gaúcha Sinara Foss, publicado em parceria pelas editoras Gog e Bestiário, abre com o conto homônimo, onde acompanhamos o drama kafkiano de uma garota que experimenta uma traumática mutação e aos poucos vai se transformando em uma planta que projeta ramos, galhos e raízes para fora do seu corpo. O efeito, para o leitor, é brutalmente impactante. Ora vemos a cena de fora, com incredibilidade; ora nos identificamos com a garota e seu pavor. Ao final, ofegantes, nos perguntamos: isso foi um conto de terror, um exercício de surrealismo, um sonho, uma fantasia, uma metáfora, uma fábula?

Os demais contos de Fotossíntese são menos surreais, no sentido estrito, mas igualmente brutais. Em boa parte, nos apresentam personagens ordinários, via de regra mulheres, envolvidos em questões do cotidiano, e capazes de atos sórdidos. Amorais, talvez, mas envolvendo as formas possíveis de resistência pessoal, vingança e redenção.

À medida que prosseguimos na leitura, vamos percebendo que os contos, todos ambientados na fictícia cidadezinha de Vinha D’Alho, estão interligados. Temas, fatos e personagens se transportam de um conto para o outro. Reaparecem do nada, para questionar os sentidos anteriores, ou para os ressignificar. O que parece à primeira vista uma brincadeira da autora, vai se revelando cada vez mais intrincado. De certa forma os contos tomam dimensão de seres vivos, de plantas em crescimento, que se conectam e comunicam organicamente com as outras ao seu redor. Num certo ponto o leitor já está confundindo tudo, se perde nos nomes dos personagens, não tem certeza se o que está lendo já não foi dito ou insinuado nos contos precedentes. Percebe que tem que voltar atrás, reler trechos do que já havia lido, talvez reler o livro todo que nem se chegou a terminar. Quem sabe reler Plural de Fêmeas, o excelente livro anterior da Sinara Foss, que traz personagens e situações similares?

A escritora sorri, maliciosa. Sua meta foi atingida. É uma dominatrix das palavras, o leitor impotente é seu escravo.

Como já destacado por outros comentaristas, a escrita de Sinara ressoa a de outros autores de peso na literatura fantástica e de terror, como Guy de Maupasssant, Silvina Ocampo, Julio Cortázar e Stephen King.

Em seus ensaios que estabelecem uma teoria do conto, Edgard Alan Poe propõe que o autor estabeleça um efeito único e singular que deseja provocar no leitor, procurando desenvolver a narrativa de forma a produzir o máximo impacto a partir do efeito escolhido, eliminando quaisquer situações e elementos acessórios. Sinara demonstra ser uma mestra na aplicação desta técnica. Em Fotossíntese, dá um passo além; não o faz apenas em cada um dos contos que o compõem, a unidade de efeito é também atingida pelo livro como um todo, o que representa uma façanha longe do trivial.

Ao encerrar a última página, o leitor respira fundo e, em silêncio, tira seu chapéu.

Leia mais do autor em Sepé.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *