O PRIMEIRO DIA NO JARDIM DE INFÂNCIA, por Milutin Durickkovic

Tradução de José Eduardo Degrazia

Todos ficaram felizes e excitados quando chegou o tempo de irmos para o Jardim de infância. Nossa mãe nos vestiu com pequenos e graves ternos, com gravatas coloridas, enquanto nosso pai cuidava do estilo dos nossos cabelos nos penteando com água fria.

– Eles são bonitos como eu e inteligentes como o pai. – Ele disse com orgulho e risadas.

– Você tem certeza? – mamãe protestou. – Como se eu não os tivesse trazido a esse mundo…

O primeiro dia no jardim de infância foi muito formal. Todo mundo entoando jogos e canções. Normalmente os pais acompanhavam as recém-chegadas crianças, mas nós estávamos acompanhados por uma inteira expedição de dez ou mais membros da família, começando pela nossa avó, tios e tias, e até alguns vizinhos.

A nossa família ocupava mais da metade do jardim de infância, enquanto outros convidados estavam esperando de pé. A principal professora estava espantada e perguntou:

– Por que vocês não trouxeram mais parentes?

O pai não entendeu a ironia completamente, então ele se desculpou e se justificou:

– Por favor, não nos culpe, alguns estão ocupados. Por isso só alguns de nós pode estar aqui…

Quando a professora ouviu isso, o seu queixo caiu e ela não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Enquanto as câmeras estavam fotografando por todos os lados, as crianças se dirigiam à audiência, recitando poemas de amor à família, lar, felicidade…

Todos esperavam com muita expectativa nossas performances, algumas crianças no palco, assustadas, começaram a chorar, e corriam para os braços dos pais. Quando nós subimos ao palco, nós dois estávamos confiantes e tranquilos. Ficamos lado a lado e começamos nosso coral cantando: Minha pequena loirinha/ estás sempre em nossa lembrança!

A audiência estava atordoada! Ninguém entendia o que estava acontecendo. A principal apresentadora do programa reagiu imediatamente, dizendo que era uma canção inapropriada, não um poema comum recitado para crianças e mandou parar com a nossa apresentação.

– Ok. É isso, é suficiente! Vamos novamente, vamos ouvir outras crianças! – ela disse, nervosa.

Para surpresa de todos, no entanto, a audiência tinha tomado aquilo como algo bonito, e nos recompensou com sorrisos e aplausos. A apresentadora tentou nos tirar, inutilmente, do palco, porque nós dois estávamos dizendo os versos, enquanto as risadas eram ouvidas entre a audiência.

– Bravo, meus netos! – nossa avó gritou.

– Beijos do pai! – disse nosso pai.

– Meus pequenos bibelôs – mamãe embalou a si mesma.

A apresentadora do programa estava suando, a cor da sua face estava constantemente mudando enquanto ela estava tentando fazer com que parássemos com a nossa apresentação. Nós, apesar disso, não dávamos atenção a ela até que chegamos ao final e à última linha da canção que havíamos apreendido.

Assim foi que a nossa primeira apresentação no jardim de infância “Cadeado Azul”, foi lembrada por muito tempo. Para a nossa família foi um grande sucesso, só mais tarde descobrimos as duras críticas, feitas pela diretora ao nosso pai, devido à inadequação da canção tão bravamente recitada.

Nosso pai, no entanto, não se preocupou muito com isso. Ele somente sorriu e piscou para nós. Metade da família estava engajada na nossa ida ao jardim de infância, todos os dias, enquanto nós, espertamente, aproveitávamos os presentes e benefícios. Acabaram por entender que cinco deles (avó, Pai, mãe, tio, tia) eram insuficientes para tomarem conta de nós, aí eles procuraram uma mulher para que nos olhasse durante as horas da tarde.

Era uma mulher fina, de meia idade, com óculos e cabelos curtos. O seu nome era tia Goga, mas nós adicionamos “velha bruxa” ao seu nome. Ela imediatamente passou a tomar conta de nós e nos aceitou com grande amor. Ela passava todo o dia conosco, principalmente nos fins de semana, jogando conosco, nos oferecendo comida e bebida.

Isso, porém, não foi muito longe. Tudo começou numa tarde de inverno quando tia Goga saiu para a sacada para pendurar a roupa que tinha sido recém-lavada. Mesmo com o frio que estava fazendo lá fora, ela saiu, fechando a porta atrás dela. Estava fazendo uma verdadeira nevasca na sacada com grandes flocos de neve. Nós dois estávamos jogando dentro, e nalgum momento, espontaneamente ou por acaso, nós olhamos para a porta da sacada e continuamos jogando.

Pouco depois, tia Goga tentou entrar, mas ficou espantada de encontrar a porta trancada! Inicialmente ela pediu gentilmente para que abríssemos a porta, logo passou a bater e a gritar, mas quando ela começou a congelar passou a arranhar a porta como um gato. Durante todo o tempo meu irmão e eu jogávamos dominó num quarto aquecido, inconscientes da situação em que a babá tinha se metido.

Para ser honesto, nós podíamos ouvir o lamento e os seus gritos, mas estávamos muito longe com o jogo e não nos demos conta da seriedade do que estava acontecendo. Para tornar as coisas piores, nós fomos para a sala onde não podíamos escutar seus pedidos de socorro.

Como a sacada estava no terceiro andar e do lado oposto à rua principal, ninguém poderia vê-la ou escutá-la. De tempos em tempos, nós íamos até o quarto para ver a tia Goga, através da vidraça embaçada, tremendo e esfregando os dedos dos pés. Acenávamos para ela e continuávamos nosso brinquedo. Não entendíamos o que ela dizia por causa do vento forte, e estávamos confusos, ainda mais pelos sinais ameaçadores que ela fazia com seus dedos, e não sabíamos o que deveria ser feito.

Demoraria algumas horas até que nossos pais voltassem do trabalho. Outros familiares estavam fora pagando visitas, de tal maneira que a tia Goga estava nas mãos de Deus. Mas não foi o final de tudo. Papai estava atrasado no trabalho, e tão logo nossa mãe chegou, imediatamente entrou no banheiro para remover a maquiagem e lavar as mãos, o que significou uns trinta minutos mais.

– Onde estão os meus pequenos meninos de ouro? – Mamãe disse. – Vocês estão bem?

– Sim, mamãe! – Os dois respondemos juntos, abraçando-a.

Então a abraçamos e a saudamos por mais alguns minutos, até a mãe perguntar:

– Por que vocês estão sozinhos? Onde está a tia Goga?

– Nós não sabemos, mamães. Nós estávamos jogando na sala com nossos brinquedos – Nós respondemos sincera e inocentemente.

Mamãe nos colocou no chão e começou a procurar a babá nos outros quartos. Quando ela viu a mulher congelada no terraço, deu um berro e imediatamente abriu a porta.

– Por Deus, crianças, o que vocês fizeram?! – Mamãe gritou.

Nós estávamos olhando boquiabertos, sem entender o que estava acontecendo, enquanto a tia Goga estava azul de frio, coberta de neve, rolando os olhos e batendo os dentes, sem conseguir dizer uma única palavra. Mamãe trouxe o aquecedor e cobriu com cobertores a mulher que estava congelada até os ossos. Então fez um chá de camomila enquanto nos dava um sermão em regra.

– Vocês vão ver o que vai acontecer quando o pai chegar!

– Escutaste o que a mamãe falou? – Meu irmão me perguntou.

– Ela não falou para mim, mas para ti! – Disse, me esquivando.

Eu não lembro bem como a coisa terminou, mas eu sei que a tia Goga nunca mais cuidou de nós, e papai pagou para ela uma temporada num spa.

Milutin Durickkovic nasceu na Sérvia em 1967, é poeta, romancista e contista. Doutorado na faculdade de filosofia de Saraievo, é jornalista e professor. Tem sessenta livros publicados e pertence à Academia Europeia de Ciências e Artes.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *