4 poemas de Carlos Badia

Aescrita e sua oralidade, a dimensão gráfica da palavra, a disposição diagramática – feito mapa – do encadeamento das frases/palavras, as junções, os tempos e ritmos, as intersecções, as metalinguagens, as transversalidades, as possibilidades ocultas do subtexto e as alternativas linguísticas e poéticas para além da obviedade, sempre me interessaram na Literatura. No labor textual. Creio que sejam os elementos que alimentam mais profundamente minha escrita e o olhar. E o correr riscos sem estar maneado. Um pouco de subversão sem desrespeito aos cânones acadêmicos ou formais. E a candura possível nesse mundo de tanta dor e descaminhos.

Eis-me texto e som. Desfruto. Desfrutem.

O que em nós é manada?
O que em nós vê pouco ou não vê nada?
O que em nós é contaminado pela informação direcionada?
O que em nós é só medo e defesa armada?
O que em nós tem certezas que são cavalos-de-Tróia?
O que em nós percebe nossa real limitação de ver além das aparências?
O que em nós percebe além das aparências?
O que em nós são apenas reflexos de nossas carências?
O que em nós é apenas reativo de nossos condicionamentos sutis?
O que em nós foi incutido de fora e massacra nossa essência?
O que em nós reconhece que o mundo não é uma ideia nossa,
e que a nossa ideia sobre ele é que é uma ideia nossa?
O que em nós reconhece a farsa?

O que em ti é realmente teu?

Estamos prontos para odiar,
e odiar é fácil, amar: difícil.
Estamos muito bem desenhados para odiar,
Prontos para desfilar mais raiva, ira
Cultuar a fúria que escorre pela boca.
Estamos arrematados para o ódio,
receptivos a sua sede e gana.
Prontos para destilar nossa cólera e furor
sobre todos aqueles que nos contestam,
e detestamos
sobre os que nos causam asco e pavor,
os que nos trazem pânico,
que nos geram medo,
os que nos tiram do controle,
que nos suscitam repugnância.

Estamos prontos para o medo,
também.
Medo do que nos apavora.
Medo de enfrentar quem somos,
ou de saber quem não somos.
Medo de nossas culpas,
de nossas fugas,
de nossas desistências,
sem coragem.
Estamos prontos para o pavor, fobia, temor.
Prontos para recear a morte,
para temer o próximo,
para temer a luta,
e assumir as rédeas.

Prontos para amar(?): não estamos.
Amar é difícil, fácil é odiar.
O ódio é um sopro do ego.
Para os que temem, uma sombra fresca no calor desértico
Uma força transbordada em arrogância e desprezo:
odiar é covardia, e quem odeia, covarde é.
O ódio é filho do medo.
É o alento da prisão sem grades de um abandono,
ou de abandonos.
O que resta ao que é refém do ódio?
Alguém cheio de medo só pode odiar.
Amar é perigoso.
E a perversão do ódio, uma fuga afeita ao medroso,
uma chance de se esconder de sua pequenez humana.
Máscara de uma alegoria fajuta de si mesmo.
Na terra fértil da imaturidade, o ódio brinca de pequenas tiranias.
A criança que não queria crescer, e foi obrigada.
Uma fruta eternamente verde no pé. Peter Pan de ilusões

Estamos prontos?

Carlos Badia é músico, produtor musical e agitador cultural. Fez parte do grupo de jazz Delicatessen entre 2006 e 2012, o qual deixou para lançar seu primeiro disco solo, “Zeros” (2015). Publicou Recortes on-off line (2016) e Silabas Ciladas (2017).

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