‘A AUSÊNCIA QUE SEREMOS’, DE HÉCTOR ABAD

Por Letícia Möller

Um dos melhores livros que li nos últimos anos. A ausência que seremos, romance do escritor colombiano Héctor Abad, é escrito com maestria, numa prosa densa e rica que alterna episódios de dor e alegria, poesia e violência.

Publicado em 2011 e tendo levado muitos anos a ser escrito, é um livro de memórias tocante que narra a infância do autor e sobretudo a vida e a morte trágica de seu pai, o médico sanitarista, professor e jornalista Héctor Abad Gómez (1921-1987).

Gómez foi uma figura marcante e afetiva, um homem de ideais e de ação, defensor dos direitos humanos, da liberdade de pensamento e da atenção à saúde pública na Colômbia. Em seus artigos para jornais, defendia a democracia, a tolerância e a convivência pacífica, e denunciava a violência da disputa política no país e os abusos de poder, perseguições e desaparecimentos de pessoas cometidos por grupos paramilitares, os esquadrões da morte. Por seus posicionamentos, passou a ser perseguido, inclusive no âmbito na universidade onde lecionava, e veio a ser assassinado aos 66 anos de idade.

Além de contar a figura pública de seu pai, Héctor Abad conta das relações familiares, do contraste doméstico entre a figura paterna e a materna, e em especial da relação de pai e filho, do amor desmedido do pai pelo filho.

“O melhor método de educação é a felicidade”, o pai dizia, rechaçando o modo autoritário como ele próprio fora criado.

E o filho nos diz: “Acho que o único segredo para suportar a dureza da vida ao longo dos anos é receber muito amor dos pais durante a infância. Sem esse amor exagerado que meu pai me deu, eu certamente teria sido uma pessoa muito menos feliz.”

O autor relata ainda o contraste entre o mundo de sua mãe e avós e o mundo de seu pai, e a “disputa” familiar que se estabelecia em torno de visões tão diversas:

“Essa luta entre a tradição católica mais reacionária e a Ilustração jacobina, aliada à fé no progresso guiado pela ciência, seguia viva na minha própria casa.”

“(…) eu era fustigado por um vendaval de contradições, embora meu verdadeiro herói, secreto e vencedor, fosse aquele noturno cavaleiro solitário que, com paciência de professor e amor de pai, esclarecia tudo usando a luz de sua inteligência, ao amparo da escuridão.”

A ausência que seremos nos presenteia com uma narrativa inteligente, sensível e profundamente humana.

Recomendo vivamente a leitura.

Leia mais da autora em Sepé.

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